Nota da matéria "Casamento Inglês", publicada,
em parte, na revista "Charlô", Edição 06, de Julho/2011
(2a parte)
HISTÓRIA
Dioscorides' rhubarb. Rhevbarbaro. (Rhubarb).
A renaissance illustration from Pietro Andrea Mattioli's Italian translation of
Dioscorides, ed. 3, Venice, V. Valgrisi, 1568.
Coloured drawing
Credit: Wellcome Library, London
O ruibarbo é nativo de região entre o Himalaia e a China
onde 2.700 anos a.C., já se tinha notícia de seu uso como remédio para males do
estômago e do intestino. Os mercadores da Rota da Seda trouxeram-no para a
Europa, entre eles, Marco Polo no séc. XIII. A planta foi largamente cultivada às
margens do Rio Volga, na Rússia, mas ela chegou à Grã-Bretanha somente no séc. XVI onde até meados do séc. XVIII, ela era considerada um remédio
milagroso, purgativo, eliminador de excesso de sardas, cura do câncer, tudo! Custava
três vezes mais do que ópio. Em 1760, descobriram que o ruibarbo rendia boas
sobremesas. Que ninguém tenha pensado nisso antes deve-se, provavelmente, ao
fato do açúcar, cujo uso é fundamental para contrabalançar o amargor do
ruibarbo, ser muito escasso e caro até então.
Em 1817, um pé de ruibarbo foi parar acidentalmente numa pilha de estrume no Chelsea Physic Garden (jardim
de plantas medicinais) de Londres e ao emergir dias depois glorioso e vermelho após o período passado no ambiente quentinho,
levou à ideia de seu cultivo em estufas.
De toda maneira, já na era vitoriana (reino da Rainha
Vitória, 1837-1901, ela mesma uma fã de ruibarbo, havendo até uma espécie com
seu nome), o consumo do legume tido como fruta estava disseminado no País muito
graças ao advento do mais palatável ruibarbo ‘forçado’, que ademais, no frio de
Fevereiro, carente de outras variedades de legumes ou frutas, era a estrela
isolada da estação.
Foi nesse período que se popularizaram as sobremesas com
ruibarbo que compõem a memória afetiva
de infância de tantos britânicos: cozido, ‘crumble’, torta, ‘fool’, tudo
servido com generosas colheradas de creme de leite ou creme inglês.
Ruibarbo cozido
'Crumble' de ruibarbo
Torta de ruibarbo
'Fool' de ruibarbo
Para atender a essa crescente demanda, no final do século
XIX, floresceu em Yorkshire, o ‘Triângulo Rosa’ ou ‘Triângulo do Ruibarbo” que antes
da 2ª Guerra Mundial, chegou a concentrar mais de 200 produtores de ruibarbo
‘forçado’. Além do clima frio e úmido propício e solo argiloso adequado,
Yorkshire tinha fartura de resíduos de lã gerados por sua indústria têxtil para
servir de fertilizante para as plantas e de carvão à vontade de suas minas para
fornecer calor para as estufas.
Com a guerra, o governo viu no ruibarbo uma maneira de
prover fibras e vitaminas para uma nação mal-nutrida e congelou seu preço a um
nível baixíssimo para torná-lo o mais acessível possível à população.
De toda maneira, muitas vezes era mesmo só o que havia disponível. O resultado
foi uma overdose de ruibarbo nos pratos britânicos, nem sempre do melhor, nem
sempre bem preparado e muitas vezes enfiado goela abaixo de crianças e jovens.
A guerra acabou em 1945, mas o racionamento do pós-guerra seguiu ainda por muitos anos
e dá-lhe ruibarbo! Desnecessário dizer que muitos das gerações que viveram esse
período ficaram traumatizados, tendo esgotado sua capacidade de ingerir mais um único pedaço de ruibarbo sequer.
Embora eu não tenha vivido isso, sempre tive uma má
impressão de ruibarbo, não sei se por ter ouvido falar ou lido em algum lugar –
Dickens, talvez? O pobre legume também ficou com fama de ser sobremesa ruim,
típica de colégio interno. Enfim, o fato é que eis-me em casa de amigos no
campo em pleno Inverno quando ouço que a sobremesa do almoço será torta de
ruibarbo. Gelei. Mas para minha grande surpresa e alívio, me apareceu essa
linda torta com um recheio vermelho que parecia regado a Campari e, para
acompanhar, muito creme inglês – deliciosa combinação! E eu achava que ruibarbo
era cinza! Era o outro, o ‘não-forçado’, na verdade marrom esverdeado... Há
quem defenda ruibarbo de qualquer tipo alegando que no caso deste último, é só
por mais açúcar.
Depois da guerra, o ruibarbo foi perdendo popularidade, mas
apesar disso, até o começo dos anos 60, havia um trem que toda noite saía
carregado de engradados de ruibarbo de Yorkshire em direção a Londres para
abastecer o mercado em Covent Garden; o último saiu em 1966. O golpe de
misericórdia foi a chegada ao mercado dos coloridos abacaxis, laranjas e bananas
vindos dos trópicos relegando o ruibarbo a hortas caseiras ou
comunitárias.
O ‘triângulo rosa’ em Yorkshire também sentiu: hoje restam
12 produtores, praticamente todos centenários, que continuam a produzir como
nos tempos vitorianos em suas estufas escuras com colheita à luz de vela.
Passadas as décadas difíceis, o ruibarbo está
experimentando um revival. Primeiro,
por conta do conceito de sustentabilidade que valoriza os produtos locais vs.
os importados e a ampliação de seu uso gastronômico. No caso do tipo ‘forçado’, contribuíram para isso também a disponibilidade do produto durante mais tempo durante o ano
através do manejo de diferentes espécies, a obtenção junto à União Europeia de
designação de origem protegida, a criação de um festival anual em Fevereiro
para sua celebração e divulgação e a transformação das estufas em atração
turística.
Festival do Ruibarbo de Wakedfield, Yorkshire
A ameaça da vez são os holandeses que também produzem ruibarbo em estufas, conseguindo colocá-los no mercado algumas
semanas antes dos ingleses, mas sem o mesmo sabor e textura.
Atualmente, o ruibarbo é apresentado em xarope, geleia, em
calda compondo refrescos, cremes e sorvetes. Além de ser usado em uma
infinidade de sobremesas, legume que é, ele também serve de acompanhamento para
pratos salgados. Mais recentemente, estão misturando o xarope com bebidas
alcoólicas como vodka e principalmente com gim e água tônica, uma tendência,
parece. Cheers!
Receita de gin e água tônica com ruibarbo
Link:
Yorkshire Rhubarb: www.yorkshirerhubarb.co.uk
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