Matéria publicada na revista "Charlô",
Edição nr. 06, de Julho/2011
Muitos anos atrás, ao fazer o Proficiency, exame de Inglês para estrangeiros, fiz uma redação sobre o casamento de uma amiga realizado em uma fazenda no interior de São Paulo. Naquela época, casamentos no campo, de dia, eram uma raridade, sendo a regra absoluta os casamentos realizados na cidade, à noite, as mulheres de vestido comprido e chapéu, com festa depois.
Comentei então sobre essa “inovação” local que se aproximava mais do modelo inglês de casamento, mantendo, porém, uma identidade bem brasileira: fazenda de café com casarão em estilo colonial, a noiva chegando em charrete aberta puxada por cavalos da raça mangalarga marchador, cerimônia na capelinha com suas imagens de santos, arranjos com flores tropicais, almoço servido em bufê onde não faltou picadinho nem farofa e, muito menos, nossa coleção de doces caseiros com queijo de Minas arrematados por bolo, docinhos e bem casados de praxe.
Almoço de casamento sofisticado na fazenda
Passei no exame com louvor para o que, tenho certeza, deve ter contribuído o espírito curioso de um examinador inglês sentado em seu gabinete em Cambridge, surpreendido por minha descrição. O mesmo espírito que me acometeu no sentido inverso ao ir descobrindo algumas particularidades do modo de vida inglês.
Trailer do filme "Four Weddings and a Funeral" que ilustra tão bem
e de maneira tão divertida as idiossincrasias da sociedade britânica
Trailer de "Quatro Casamentos e um Funeral" com legendas em Português
Como sua disposição para cruzar o país de Norte a Sul e dirigir quilômetros para cumprir uma intensa agenda social no campo, aí incluídos os casamentos aos Sábados. Para o inglês, mesmo que ele viva e trabalhe na cidade, “home is in the country” (o lar é no campo) e, se eles ainda não alcançaram essa condição, é lá que eles querem chegar algum dia. Assim é que, embora também seja usual se casar na cidade, a quantidade de casamentos realizados na igrejinha da vila próxima à casa rural da família da noiva é enorme, principalmente nos meses mais quentes do ano.
Foi assim que, uma vez, um grupo de convidados para um casamento em Northumberland, condado na fronteira com a Escócia, se organizou para rachar um vôo de Londres até lá. Era o primeiro serviço de táxi aéreo prestado por um dos convidados que tinha resolvido dar um destino comercial a seu Cessna. Em pleno vôo, ocorreu ao convidado piloto perguntar qual era o nome da vila onde seria realizado o casamento apenas para descobrir que ninguém havia levado o convite nem se lembrava do nome do lugar... O resultado foi uma série de vôos rasantes sobre as igrejas de várias vilas e cinco aterrisagens naquelas onde estavam acontecendo casamentos até acertarem o destino. Chegaram atrasados, no final da cerimônia, mas sua peripécia foi o assunto mais comentado pelas colunas sociais dos jornais daquela semana!
Salto para o futuro: em Maio de 2017, as atrações do casamento de James Matthews e Pippa Middleton, irmã de Kate, agora Duquesa de Cambridge e esposa do Príncipe William, incluíram um sobrevôo do local da recepção por um Spitfire da 2a Guerra Mundial. Nada que se compare ao périplo aéreo de convidados de outro casamento décadas atrás...
Justamente por conta das distâncias, o casamento pode acabar se tornando o programa de um fim de semana inteiro. Os convidados costumam se espalhar pela casa da noiva, dos vizinhos e dos amigos e por hotéis e pousadas nas redondezas e a programação gira em torno de uma miríade de drinques, almoços e jantares antes e depois do casamento.
Em algumas casas, costumes de outras eras podem resistir. Se o traje recomendado para o jantar for simples, casual, normal, “seremos só nós, os da casa e os mais chegados”, provavelmente isto significa que não se trata de black-tie e longo e, sim, de paletó e gravata e vestido curto ou tailleur. E não será de espantar se, ao final da refeição, as mulheres se retirarem e deixarem os homens à vontade para tomar seu vinho do Porto.
Em algumas casas, costumes de outras eras podem resistir. Se o traje recomendado para o jantar for simples, casual, normal, “seremos só nós, os da casa e os mais chegados”, provavelmente isto significa que não se trata de black-tie e longo e, sim, de paletó e gravata e vestido curto ou tailleur. E não será de espantar se, ao final da refeição, as mulheres se retirarem e deixarem os homens à vontade para tomar seu vinho do Porto.
Tampouco será surpresa se os hóspedes da casa forem convocados a ajudar a cortar flores nos canteiros e a fazer os arranjos, da casa e da igreja. Faz tudo parte do programa, do divertimento. De fato, aqueles solares com sua arquitetura maravilhosa e mesmo os cottages pitorescos datando desde a época medieval e recheados de antiguidades dispensam maiores decorações.
Empregados de libré, hoje, acredito que só mesmo a Rainha para tê-los e, ainda assim, dentro de certos limites. Os candidatos têm que ter um determinado padrão de altura e largura, não por uma questão de simetria, mas, sim, por racionalização de custos. Cada libré custa por volta de £ 2.000 o que explica o fato de que algumas estejam em uso há mais de 100 anos! Nas demais residências, invariavelmente, seus vestígios podem ser encontrados nos belos botões de prata de blazers e paletós dos homens da família.
O casamento acontece por volta das 11h da manhã e, normalmente, é seguido por um almoço. A programação, que pode incluir caminhadas por jardins e arboretos, pode ficar por aí ou se estender por uma festa baile à noite para os amigos dos noivos. Um pouco como aconteceu no Royal Wedding só que com mais convidados para a festa e menos para a cerimônia e para a recepção mais cedo.
O sobrevôo do Palácio de Buckingham no casamento real de 2011 por um Spitfire, um Hurricane e um Lancaster da Real Força Aérea deve ter inspirado a irmã da noiva em seu próprio casamento em 2017...
São poucas, porém, as casas que têm grandes salões que acomodem os vários convidados de um grande casamento, sentados à mesa em um único recinto. Sorte de William e Kate que puderam contar com a galeria da casa da avó dele para receber os cumprimentos enquanto um coquetel e os bolos eram servidos aos 600 convidados para a recepção após a cerimônia. Mais ainda, para a festa para 300 à noite, puderam usar os cômodos reais com seus Velazquez, Rubens e Van Dycks para os drinques, o salão de baile para o jantar e transformar o imponente salão do trono em boate, com o imenso lustre de cristal servindo de suporte para as luzes estroboscópicas e a laser que iluminavam a pista de dança.
Normalmente, os mortais não tão comuns recorrem a tendas montadas no jardim das casas, como aquelas de circo, geralmente brancas. O que me faz imaginar que deslumbramento seria, em vez disso, recorrer a nossos mais conhecidos toldos transparentes de maneira que se pudesse apreciar as velhas fachadas de casas pequenas e grandes, os belos jardins e os campos ingleses em toda sua glória e beleza. Ideia que deve permanecer nos sonhos considerando a escassa e cara mão de obra local...
Para os sem-grandes-salões ou mesmo sem-casa-no-campo, isso já não é tão inacessível pois várias dessas casas particulares vêm disponibilizando suas propriedades no mercado para a realização de eventos.
Walcot Hall, em Shropshire, é um solar georgiano do séc. 18 que disponibiliza seu salão de baile e seus lindos jardins e parque circundante para a realização de festas e eventos.
Também é de chamar a atenção, a noção de estilo dos ingleses, que às vezes pode se mostrar tão diferente da nossa. Paralelamente ao culto a certas normas e tradições, alguns parecem cultivar uma espécie de esnobismo ao contrário, demonstrando um certo desdém pelo que entendemos como moda e, ao mesmo tempo, uma certa atração fatal pela excentricidade que pode descambar para a galhofa e o mau gosto se não for exercida com espontaneidade e em seus devidos hora e lugar.
A excentricidade saudável pode levar os noivos a reservar lugar para seus cachorros bem comportados nos bancos da igreja destinados à família ou a vestir seus padrinhos em trajes de época ou a partir para a lua de mel vestidos à la oriental montados em um camelo. Já o chapéu do designer Philip Treacy usado pela Princesa Beatrice no recente casamento real e considerado pela grande maioria de gosto bastante duvidoso, acabou por ter destino dos mais dignos ao ser levado a leilão no e-Bay pela princesa: os £ 81.101 arrematados foram doados a duas organizações beneficientes, UNICEF e Children in Crisis.
Diante disso, toda a família Middleton brilhou justamente pelo comportamento de quem, não podendo errar, primou pelos extremos bom gosto e discrição e delicado respeito à tradição em todos os aspectos do casamento. Como disse Rowan Pelling do jornal londrino Daily Telegraph a respeito de Pippa Middleton, irmã de Kate, “Em 29 de Abril, uma Duquesa foi criada (Kate) e uma estrela nasceu (Pippa)”. Show!
Em tempos cada vez mais midiáticos, ainda nos espantamos com o impacto dos casamentos reais britânicos sobre a sociedade local e a do mundo todo. Mas surpreendente mesmo é a influência duradoura sobre nós, do casamento da sem sal Rainha Vitória com o Príncipe Albert em 1840, responsável pelos conceitos de vestido de noiva volumoso e branco, arranjo de cabeça e buquê de flores de laranjeira, bolo em andares e pompa e circunstância nos casamentos reais. A mídia então, não era onipresente e onisciente como a de hoje, mas, em contrapartida, naquela época, o sol nunca se punha no onipotente Império Britânico.
O casamento, em 1840, da Rainha Vitória
e do Príncipe Albert de Saxe-Coburg e Gotha
Link:
Walcot Hall: http://walcothall.com/
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